Quanta vez em horas como esta
quando tudo quero esquecer
vejo passar uma nuvem e nesta
quero partir sem mais perder
Naquela forma esculpida
de algodão branco como neve
já me sentia de partida
nesse deslizar tão leve
Queria aquela liberdade
que falta na minha alma
tenho uma vida de ansiedade
onde o torpor é calma
Mas já que nuvem não posso ser
cresce num deslizar em mim
o desejo de liberdade ter
para na ansiedade pôr fim!
Virei, num rasgo, a fé do avesso
numa luta inglória, à partida
que a vida merece um recomeço
em que a alma lhe seja valida
À cruz atirei de arremesso
as sobras da jornada vencida
rompi com gritos o ar espesso
que devolve a voz enfraquecida
Foi nesse momento que padeci
na verdade, no absoluto, em ti
esmolei, por aí, quase nada
Como fantasma do próprio ser
como chama de vela a derreter
perdi minha fé, foi d'abalada!
Floriste Lisboa de madrugada
travando gestos de vingança
de mão em mão passada
alardeaste sinal de mudança
Despontaste em arma silenciada
incutindo na confusão segurança
foste a flor mais celebrada
devolveste ao povo a esperança
De pregar a pátria em vitória
de cantar liberdade com paixão
de fazer da tortura memória
Cravo posto sobre o coração
és a flor da nossa história
és o cravo da revolução!
Quis vingar a minha dor
com prazo marcado e tudo
fiz promessas ao tempo
de lágrima tombada
Mas o tempo empurra tempo diante de si
inútil insistir com a memória...
Mas espero ter vingado a minha dor
porque hoje sei que naquela altura
tudo era possível
Quando o dia era maior que as franjas do sol
e o baloiço ganhava ao compasso do relógio
tanto me folgava a vida,
à volta da brincadeira, esquecida
nesse tempo, tudo era possível!